Quem acompanha este blog já sabe sobre minhas aventuras nos últimos anos tentando fotografar ariranhas debaixo d’água. Algumas foram bem-sucedidas; outras – a maioria – nem tanto. Mas, na história de hoje, vou contar sobre uma ocasião específica que foi uma das melhores cenas que já presenciei com animais nestes anos todos de vida no mato.
Era junho de 2015, as últimas semanas antes do inverno, quando mais uma vez recebi relatos de que uma ariranha estava aparecendo no Rio Olho d’Água – um riacho absolutamente cristalino na região de Jardim (MS), protegido por uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) e aberto ao ecoturismo pelo Recanto Ecológico Rio da Prata. Já com a experiência dos encontros anteriores que tive com a espécie no mesmo local, pedi autorização aos proprietários da área e programei uma ida para tentar novamente registrar esta situação rara.
O Rio Olho d’Água tem um trecho que se destaca por ser mais largo, profundo e com nascentes no fundo de seu leito que lançam na água incríveis jatos de areia, o que tornou este ponto conhecido como “Vulcão”. Por ser aproximadamente no meio do caminho, decidi que seria o local ideal para esperar pela ariranha, pois sabendo que ela costumava percorrer o rio inteiro várias vezes ao dia, ficando lá eu teria a chance de encontrá-la tanto na subida, como na descida. Além disto, no Vulcão há um ponto de parada para os visitantes interagirem com as nascentes. Lá eu teria a oportunidade de perguntar aos colegas guias que acompanham os turistas se haviam observado indícios da ariranha durante seu eio pelo rio até aquele ponto.
Vista aérea do “Vulcão”, no Rio Olho D’Água
Já haviam ado mais de três horas e cinco grupos sem novidades por parte dos guias. Quando o próximo grupo chegou, fiz a mesma pergunta para o guia Alcindo, que me respondeu: “Olha, Daniel, a ariranha eu não vi, mas esses dias tem aparecido uma sucuri no rio, quem sabe você dá sorte de fotografar”. Surpreso, pensei comigo: “Nada mau, o que vier é lucro – eu troco na boa uma ariranha por uma sucuri!”.
Alcindo então reuniu seu grupo para continuarem a descida. Como de praxe, pedi a ele que emitisse algum sinal caso visse a ariranha alguns metros rio abaixo.
ados poucos minutos, escuto Alcindo, super animado, me chamando à distância:
– Daniel, ela tá aqui, ela tá aqui!.
– Quem, a ariranha?!
– Não, a sucuri!!!
Desci nadando até ele como um torpedo, e então aconteceu aquele momento que nos dá a certeza de que temos uma comunhão muito especial com os elementos da natureza. Enquanto Alcindo me indicava com o dedo onde estava a sucuri dentro d’água, do outro lado chegou mergulhando a ariranha, que até aquele momento ninguém tinha visto. As duas predadoras se encararam curiosamente por um par de segundos, ficou aquele clima de tensão no ar sobre o que aconteceria em seguida, e então cada uma tomou respeitosamente o seu próprio rumo. A ariranha desceu o rio pelo mesmo caminho que tinha vindo e a sucuri deslizou por entre a vegetação da margem. Foi tudo extremamente rápido e fascinante. Deu tempo de fazer três fotos antes da água ficar turva com o movimento dos bichos.
Este é provavelmente o único registro fotográfico do encontro entre uma ariranha e uma sucuri debaixo d’água. Além de mim, somente o Alcindo e o pequeno grupo de sortudos turistas tiveram o imenso privilégio de presenciar uma dessas cenas tão raras que a natureza nos propicia. E, cabe destacar, com toda a segurança que uma operação de ecoturismo profissional em um ambiente protegido oferece.
Na volta pra casa, enquanto dirigia, reprisei na minha mente a cena dezenas de vezes, e só fui sossegar quando salvei as imagens do cartão de memória para o computador e tive a garantia de que havia eternizado aquele momento para quem quisesse ver!
O encontro da Sucuri, da Ariranha e do Fotógrafo!
Daniel, parabéns pelo grande registro e uma linda narrativa! Sempre haverá conteúdo para documentar nesse mundo incrível da biodiversidade brasileira!