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“A floresta não é um vazio a ser ocupado, nem um tesouro a ser saqueado. É um canteiro a ser cultivado”, diz Lula na Cúpula da Amazônia

"A floresta não é um vazio a ser ocupado, nem um tesouro a ser saqueado. É um canteiro a ser cultivado", diz Lula na Cúpula da Amazônia

Estas lindas palavras, quase uma poesia, foram ditas por Lula no final de seu discurso, hoje, 8/8, na abertura da Cúpula da Amazônia, em Belém, na companhia de representantes dos demais países amazônicos que compõem a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia): Bolívia, Colômbia, Peru, Guiana e Venezuela, Equador e Suriname (estes últimos representados por seus chanceleres).

Lembrando que fazia 14 anos que estas nações não se reuniam – Destacou o “severo agravamento da crise climática” pelo qual a a humanidade e, por isso, é urgente retornar e ampliar a cooperação entre países da região amazônica.

Seu pronunciamento (leia o texto na íntegra no final deste post) está recheado de agens inspiradoras, que nos fazem acreditar que há grandes chances de revertemos a situação caótica da maior floresta tropical úmida do mundo.

“Meu governo está engajado no desenho de uma transição energética justa. Vamos planejar o crescimento apostando na industrialização e infraestrutura verdes, na sociobioeconomia, e nas energias renováveis“.

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Mas não dá pra esquecer que o presidente brasileiro apoia a exploração de petróleo na Foz do Amazonas: tem se pronunciado a favor sempre que tem uma oportunidade (como no início deste mês). Por isso, resta saber para quem essa transição será justa: para os povos indigenas e tradicionais que vivem no bioma?

Os oito representantes dos países amazônicos na Cúpula da Amazônia / Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula falou da valorização dos povos tradicionais, de energia limpa – “solar, biomassa, etanol e hidrogênio verde”. Não mencionou o petróleo. Teria sido vaiado ou deixado a audiência desconfortável.

Mais tarde, Gustavo Petro, presidente da Colômbia, cutucou Lula: “O planeta precisa deixar de usar o petróleo, o gás e o carvão”.  Mas ficou isolado, como o Observatório do Clima observou, porque não é só o presidente brasileiro que ainda aposta nos fósseis.

Legado

Não há dúvida que a Cúpula da Amazônica será um marco na história da Amazônia. Afinal, é uma grande oportunidade para debater politicas públicas (e conjuntas) de enfrentamento ao desmatamento no bioma, evitando o ponto de não-retorno (fenômeno que pode acontecer se mais de 20% da floresta for devastada), tão explicado pelos cientistas. Mas, como o presidente brasileiro enfatizou, todos precisam estar alinhados: “Os desafios da nossa era e as oportunidades que surgem demandam ação conjunta”.

Lula se referiu à Amazônia como patrimônio comum dos oito países, lembrando que, desde a do Tratado de Cooperação da Amazônia, em 1978, os chefes de Estado só se encontraram três vezes: em 1989, em 1992 e em 2009 – todas em Manaus. 

Em seguida, destacou que a reunião de hoje deveria gerar três grandes propostas: discutir e promover uma nova visão de desenvolvimento sustentável e inclusivo na região, combinando a proteção ambiental com a geração de empregos dignos e a defesa dos direitos de quem vive na Amazônia.

“Precisaremos conciliar a proteção ambiental com a inclusão social, o fomento à ciência tecnológica e a inovação, o estímulo à economia local, o combate ao crime internacional e a valorização dos povos indígenas e de comunidades tradicionais e seus conhecimentos ancestrais”. 

Depois dessa parte da agenda cumprida, todos deveriam partir para analisar medidas para o fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação na Amazônia (OTCA), considerada por ele como um legado construído ao longo de quase meio século e o único bloco do mundo com uma missão socioambiental.  

“Finalmente, fortaleceremos o lugar dos países detentores de florestas tropicais na agenda global [os ministros do meio ambiente da Indonésia e do Congo foram convidados para participar da Cúpula e vieram] em temas que vão do enfrentamento à mudança do clima, ando pela reforma do sistema financeiro internacional”. E completou:

“O fato de estarmos todos juntos aqui, governo, sociedade civil e academia, estados e municípios, parlamentares e lideranças reflete a nossa intenção de trabalhar por esses três grandes objetivos”.

O presidente listou medidas de seu governo para maior segurança do bioma – com o Plano de Segurança para a Amazônia – e o combate de organizações criminosas, falou do fortalecimento do Parlamento Amazônico, entre outras medidas.

No final de seu pronunciamento, declarou o desejo de que “cada pessoa, cada cidade, cada rio e cada árvore da nossa vasta floresta encontre seu lugar nessa visão de uma nova Amazônia que nasce a partir desta CúpulaVamos deixar para nossos descendentes um legado de bem-estar, prosperidade e justiça social”. E finalizou:

“A Amazônia será o que nós quisermos que ela seja. Uma Amazônia com cidades mais verdes, ar mais puro, rios sem mercúrio e a floresta em pé. Uma Amazônia com comida na mesa, trabalho digno e serviços públicos ao alcance de todos. Uma Amazônia com crianças mais saudáveis, migrantes bem acolhidos, indígenas respeitados e jovens mais esperançosos. Uma Amazônia que desperta e toma consciência de si mesma. Esse é o nosso sonho amazônico”.

Se Lula ou qualquer outro presidente dos países amazônicos continuar investindo na exploração de petróleo, esse sonho jamais se realizará. E terá se perdido uma oportunidade “de ouro” de impedir que a Amazônia se transforme numa savana e de contribuir, de forma efetiva, para o combate à crise do clima no mundo.

Nosso sonho amazônico”

A seguir, leia o discurso de Lula na íntegra.

“É uma grande satisfação recebê-los em Belém! Foi nesta mesma cidade que, em 23 de outubro de 1980, se realizou a primeira reunião de chanceleres do então recém-criado Tratado de Cooperação Amazônico.

Retornamos hoje [quase 43 anos depois] a Belém para voltar a pensar e agir juntos. A partir desta Cúpula, nasce um novo sonho amazônico para a região e o mundo.

Durante muito tempo, nos impam sonhos alheios. Por quase 500 anos, a Amazônia foi vista como uma barreira entre nossas sociedades.

O preconceito e o extrativismo predatório alimentaram a violência contra os povos indígenas e estimularam a pilhagem dos recursos naturais.

Da borracha aos minérios, sucessivos ciclos econômicos geraram prosperidade para poucos e pobreza para muitos.

Junto com a ocupação desordenada, os tratores e as motosserras veio a destruição ambiental. Nossas sociedades não souberam encontrar o equilíbrio entre o crescimento e a sustentabilidade, nem respeitar os saberes e direitos dos povos do campo, da floresta e das águas.

No Brasil, a partir da redemocratização, buscamos corrigir o rumo, valorizando o bioma e seus habitantes.

Constituição de 1988 introduziu (em seu artigo 225) o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Também instituiu o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A Floresta Amazônica foi definida como patrimônio nacional.

Nos anos seguintes, ainda com muitas dificuldades, houve avanços no monitoramento da floresta, na demarcação de Terras Indígenas na regularização fundiária.

Criamos um ministério específico para o meio ambiente. Lançamos satélites que ampliaram nossa coleta de dados ambientais. Aprimoramos a fiscalização e criamos novas leis ambientais. Em meus governos, intensifiquei esses esforços.

Entre 2004 e 2012, reduzimos o desmatamento na Amazônia em 83% e evitamos que 4 bilhões de toneladas de CO2 fossem emitidas na atmosfera.

Essa foi a maior contribuição feita por um país para redução dos gases de efeito estufa oriundos do desmatamento até hoje.

E, ao mesmo tempo, conseguimos aumentar a produtividade agrícola na região, mostrando que é possível crescer sem derrubar a floresta.

Não resolvemos todos os problemas, mas começamos a trilhar um caminho mais justo e sustentável. No entanto, a crise política que se abateu sobre o Brasil e levou ao poder um governo negacionista com consequências nefastas.

Meu antecessor abriu as portas para os ilícitos ambientais e o crime organizado. Os índices de desmatamento voltaram a crescer. Suas políticas beneficiaram apenas uma minoria que visa o lucro imediato.

Na tribuna da ONU, o Brasil ressuscitou noções de um nacionalismo primitivo responsabilizou “índios e caboclos” pelas queimadas provocadas pela ação humana. Nos tornamos um pária entre as nações e nos afastamos de nossa própria região.

Os que sempre atuaram em prol da preservação ambiental e dos direitos humanos foram perseguidos e atacados. Perdemos, de forma violenta, diversas lideranças que lutaram contra a destruição e o descaso.

Os que mais sofreram foram os indígenas e outros povos tradicionais. A invasão da terra ianomâmi por garimpeiros evidenciou o desprezo pela vida humana e pelo meio ambiente.

criação do Ministério dos Povos Indígenas, comandado por uma ministra indígena, o primeiro na história do Brasil, simboliza o nosso compromisso com a reparação à invisibilidade a que foram submetidos os povos originários em nosso país.

Senhoras e senhores, felizmente, pela decisão soberana do povo brasileiro e seu compromisso com a democracia, conseguimos virar essa triste página da nossa história.

Queremos retomar a cooperação entre nossos países e superar desconfianças. Queremos reconstruir e ampliar nossos canais de diálogo. Isso requer mudar não apenas a compreensão da Amazônia, mas também sua realidade.

A Amazônia sul-americana é a maior floresta tropical do mundo, uma reserva de biodiversidade incomparável, e a mais extensa bacia hidrográfica do planeta.

Sua área corresponde a uma vez e meia a da União Europeia. Ela contém 10% de todos as plantas e animais conhecidos. A cada dia, em média, uma nova espécie é descoberta nessa floresta.

Juntos, seu solo e vegetação armazenam 200 bilhões de toneladas de carbono, o que a faz essencial para um clima estável para todo o planeta. 

Mas a Amazônia não é só feita de flora e fauna. São 50 milhões de pessoas espalhadas pelo seu vasto território e entre metrópoles como Belém, Manaus e Santa Cruz de la Sierra. Cidades médias como Florência, Ciudad Bolivar e Iquitos. E milhares de vilarejos e aldeias. São 400 povos indígenas, que falam mais de 300 idiomas

Para entendermos esse lugar, precisamos ouvir quem já o conhece bem.

sonho amazônico tem que estar enraizado na ciência e nos saberes produzidos aqui. E tem que juntar todos os atores na busca por soluções.

Para resolvermos os problemas da região, precisamos reconhecer que ela também é um lugar de carências socioeconômicas históricas. Não é possível conceber a preservação da Amazônia sem resolver os múltiplos problemas estruturais que ela enfrenta.

A Amazônia é rica em recursos hídricos, mas em muitos lugares falta água potável. A despeito da sua grande biodiversidade, milhões de pessoas na região ainda am fome.

Redes criminosas hoje se organizam transnacionalmente, aumentando a insegurança por toda a região.

Estamos empenhados em reverter esse quadro. Já podemos ver resultados. Os alertas de desmatamento na Amazônia tiveram uma redução de 42,5% nos primeiros sete meses deste ano. Assumimos o compromisso de zerar o desmatamento até 2030.

Vamos estabelecer, em Manaus, um Centro de Cooperação Policial Internacional para enfrentar os crimes que afetam a região. O novo Plano de Segurança para a Amazônia vai criar 34 novas bases fluviais e terrestres, com a presença constante de forças federais e estaduais.

apoio das Forças Armadas, sobretudo na faixa de fronteira, também será essencial nesse esforço.  Ele também permitirá a futura criação de um sistema integrado de controle de tráfego aéreo na região amazônica.

Meu governo está engajado no desenho de uma transição justa. Vamos planejar o crescimento apostando na industrialização e infraestrutura verdes, na sociobioeconomia, e nas energias renováveis

O Brasil desempenhará papel central na transição energética, liderando a produção de fontes limpas como a energia solar, a biomassa, o etanol e o hidrogênio verde.

Com o Programa Nacional de Florestas Produtivas, vamos fomentar a restauração de áreas degradadas e a produção de alimentos, com base na agricultura familiar e nas comunidades tradicionais.

Em maio, enviamos ao Congresso, para ratificação, o Acordo de Escazú, instrumento da América Latina e do Caribe que irá ajudar a garantir os direitos dos defensores do meio ambiente e o o à informação.

Queremos que os benefícios desses esforços sejam compartilhados com nossos vizinhos.

Tratado de Cooperação Amazônica que firmamos em 1978 é a principal plataforma para enfrentarmos juntos estes desafios. Buscando o desenvolvimento harmônico entre nossos oito países, e respeitando a soberania de cada nação

Com base neste acordo, fundamos o primeiro bloco socioambiental do mundo, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Nossa missão agora é dotá-la de recursos próprios e de um programa de ação mais amplo.

A criação de uma instância de Chefes de Estado será essencial para manter o tema da Amazônia no mais alto nível político.

A revitalização do Parlamento Amazônico permitirá ampliar o diálogo em sintonia com a sociedade. Daremos atenção especial às mulheres, que estão na linha de frente da defesa das comunidades e do meio ambiente, aos jovens, que trazem novas ideias e olhares, e aos povos indígenas, que nos ensinam a preservar a floresta.

Esse fortalecimento institucional será fundamentado na ciência. O Observatório Regional Amazônico, que reúne dados sobre temas como recursos hídricos, saúde, biodiversidade e mudança do clima, fornecerá insumos para nossas políticas públicas e iniciativas de cooperação.

Estamos criando o  Técnico-Científico Intergovernamental, que vai juntar cientistas e especialistas da Amazônia para fundamentar nossas decisões, em colaboração com outros painéis científicos internacionais.

A Declaração Presidencial desta Cúpula mostra que o que começamos em Letícia e agora consolidamos em Belém não é apenas uma mensagem política: é um plano de ação detalhado e abrangente para o desenvolvimento sustentável na Amazônia.

A Amazônia não é e não pode ser tratada como um grande depósito de riquezas. Ela é uma incubadora de conhecimentos e tecnologias que mal começamos a dimensionar.

Aqui podem estar soluções para inúmeros problemas da humanidade – da cura de doenças ao comércio mais sustentável.

A floresta não é um vazio a ser ocupado, nem um tesouro a ser saqueado. É um canteiro de possibilidades que precisa ser cultivado.

Sem ela, a América do Sul que conhecemos não existiria. Dela depende o regime de chuvas que sustenta a vida e mantém a maior parte de nossas atividades econômicas.

A floresta nos une. É hora de olhar para o coração do continente e consolidar, de uma vez por todas, nossa identidade amazônica.

Além de lidar com os desafios na nossa região, isso nos permitirá enfrentar uma ordem global cada vez mais incerta.

Em um sistema internacional que não foi construído por nós, foi nos reservado historicamente o lugar subalterno de fornecedores de matérias-primas. A transição ecológica justa nos permite mudar esse quadro.  

A Amazônia é nosso aporte para uma nova relação com o mundo – uma relação mais simétrica, na qual nossos recursos não serão explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos (!!!)

Que os Diálogos Amazônicos sejam um marco na retomada da interação entre as sociedades e os governos da nossa região. 

É preciso valorizar o papel dos prefeitos, governadores e parlamentares. Não se faz política pública eficaz sem participação de quem conhece o território.

Espero que cada pessoa, cada cidade, cada rio e cada árvore da nossa vasta floresta encontre seu lugar nessa visão de uma nova Amazônia que nasce a partir desta Cúpula. Vamos deixar para nossos descendentes um legado de bem-estar, prosperidade e justiça social. 

A Amazônia será o que nós quisermos que ela seja. Uma Amazônia com cidades mais verdes, ar mais puro, rios sem mercúrio e a floresta em pé. Uma Amazônia com comida na mesa, trabalho digno e serviços públicos ao alcance de todos. Uma Amazônia com crianças mais saudáveis, migrantes bem acolhidos, indígenas respeitados e jovens mais esperançosos. Uma Amazônia que desperta e toma consciência de si mesma.

Esse é o nosso sonho amazônico.

Muito obrigado.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

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