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Ave originária da América do Norte é registrada pela primeira vez em Fernando de Noronha, revelando a riqueza biodiversa do arquipélago 

O guia Bruno Galvão se preparava para descansar na rede, depois de uma trilha sob sol escaldante, quando recebeu a ligação do amigo João Paulo, com quem aprendeu a arte do ofício. Ele queria avisá-lo que Cecília Licarião, diretora do projeto Aves de Noronha, havia deixado uma mensagem importante no grupo de Whatsapp. Leke (Alexandro Ferreira) – outro guia nativo da ilha -, tinha avistado uma ave “que ele nunca viu, do tamanho de uma cocoruta!”, na Praia do Sancho

Diante do fato e da responsabilidade pelo registro, Bruno exorcizou a preguiça e partiu para a região na tentativa de ajudar a desvendar o mistério. “Se Leke disse que não conhece a ave é porque não conhece, mesmo”, garante Bruno. “Chegaram a pensar que ele tava confundindo com o galo de campina, mas a gente sabia que não. Ele conhece tudo!”. Na gravação, Leke (que é guarda-parque da EcoNoronha, concessionária do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha) disse: “Sou nativo e nunca vi essa espécie”.

Chegando lá, Bruno encontrou Leke, que o levou ao local onde viu a nova espécie. “E, pra nossa surpresa, a ave ainda estava lá, sozinha! E se destacava muito na vegetação: era de um vermelho vivo, fogo, lindo, lindo, lindo! As aves da ilha não são coloridas assim, nem as marinhas, muito menos as terrestres”. 

Ave originária da América do Norte é registrada pela primeira vez em Fernando de Noronha
Foto: Bruno Galvão

A ave majestosa voava de uma árvore à outra – “burras-leiteiras (Sapium argutum) -, se deliciando com seu fruto. Bruno fez diversos registros interessantes, “inclusive dela se alimentando do fruto da Angélica também”. E acrescentou: “Quando a vi, tive certeza de que a espécie não era daqui. Era uma ave migratória. E, por isso procurei fazer um registro legal para que alguém pudesse identificar”.

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Ave originária da América do Norte é registrada pela primeira vez em Fernando de Noronha
Piranga olivácea comendo fruto da Angélica
Foto: Bruno Galvão

Sanhaço-escarlate, ave migratória com registros no Brasil

Com material suficiente registrado, Bruno compartilhou com o grupo no Whatsapp. Todos se maravilharam com sua beleza, mas ninguém a conhecia. “Demorou uns dias pra gente conseguir identificá-la”, conta Cecília, do Aves de Noronha. “Enviamos pra diversos pesquisadores até que chegamos no nome científico Piranga olivacea com o especialista Fabio Olmos”. 

Trata-se de uma ave migratória, nativa e amplamente distribuída na América do Norte, América Central e Noroeste da América do Sul. Seu nome popular é Sanhaço-escarlate. 

Ave originária da América do Norte é registrada pela primeira vez em Fernando de Noronha
Foto: Bruno Galvão

Não é comum em nosso país, mas já havia sido registrada em outros pontos e, possivelmente, esses registros são de indivíduos que se perderam em rotas migratórias e acabaram ando pelo Brasil de alguma forma”, explica Cecília. “Este registro não é, portanto, uma descoberta, mas é o primeiro registro da espécie em Fernando de Noronha”.

“A maioria dos registros dessa ave na Amazônia são no Acre, também tem dois no Amazonas, além de um no Rio Grande do Norte e outro em Itacaré, na Bahia”, conta Bruno. Agora, ela está registrada no WikiAves, também em Fernando de Noronha.

“Estudei a ave e descobri que ela migra pela América Central: na temporada de reprodução, ela vive no hemisfério norte e, na de descanso, na América do Sul, ao lado do Pacífico”, contou o guia. “E foi uma surpresa saber que a plumagem do animal que fotografei – que é um macho – é característica do período de reprodução, para atrair a fêmea, mas que ele só mostra no hemisfério norte”. 

Ave originária da América do Norte é registrada pela primeira vez em Fernando de Noronha
Foto: Bruno Galvão

Por que ela foi parar em Fernando de Noronha?

É bem possível que a ave estivesse sozinha – sua espécie tem hábitos solitários. E, entre as razões para ser avistada em Fernando de Noronha podem estar a influência de correntes de vento mais fortes em seu voo, eventos extremos que a tiraram da rota, mas também devido a mudanças no padrão migratório ou porque ela simplesmente se perdeu

“É comum ter espécies vagantes, que se perdem no momento da migração e aparecem em lugares completamente aleatórios”, explica Cecília. 

“Temos registros de outras espécies com as quais isso aconteceu no arquipélago, mas nunca com um eriforme, uma espécie terrestre florestal, sempre com espécies de arinho marinho. Então, nesse aspecto a aparição do Sanhaço-escarlate é uma novidade”, conta a especialista.

Para a especialista, é muito complicado dizermos que a espécie Piranga olivácea não é do Brasil. “As espécies migratórias são do mundo! Elas têm as rotas migratórias bem estabelecidas, mas isso não quer dizer que essa espécie não vá acabar pousando, entrando em novas áreas, se perdendo e encontrando novas áreas para repousar”.

Cecília lembra que, em 2018, um colaborador do projeto Aves de Noronha registrou o avistamento de um maçarico e esse registro valeu não só para Noronha, como para o Brasil. “Ele entrou na lista oficial das espécies brasileiras. E isso pode acontecer sempre”.

A biodiversidade e a observação de aves

O avistamento e o registro do Sanhaço-escarlate reforçam a importância da riqueza biodiversa do arquipélago de Fernando de Noronha. “Um pedacinho de terra no meio do oceano, super suscetível a rajadas de vento, o que possibilita que uma espécie possa chegar de uma forma ou de outra, principalmente espécies migratórias”, relata Cecília.

Ela ainda destaca que o mais importante nesse registro foi o envolvimento de cada um no processo desde o guia que viu a ave e se inquietou com a possibilidade de se tratar de uma espécie rara, ando por quem fez os registros com cuidado e talento até o pesquisador que identificou a espécie.

“Essa ave poderia ter aparecido em qualquer ponto da ilha. Por sorte ela apareceu num lugar no qual havia uma pessoa acostumada a observar o ambiente, curiosa, que se “incomodou”, entendeu a raridade daquela observação, dividiu com alguém que entende de aves e tudo aconteceu”, resume a bióloga.

“Poderia simplesmente ter sido observado por alguém que não faz a menor ideia de que aquela ave é rara, que não há nenhuma espécie vermelha de eriforme em Fernando de Noronha… Foi um conjunto de fatores. E o mais incrível foi ver como a observação de aves vem se inserindo no imaginário do dia a dia das pessoas no arquipélago, como as pessoas estão atentas à biodiversidade, sabem identificar quando algo é diferente e raro e sabem procurar a quem pode ajudar, que são as pessoas do projeto Aves de Noronha. Pra gente é a maior vitória porque esse registro poderia ter ado despercebido e não ou”, comemora.

“O que muda é se a gente vai estar com os olhos preparados para observar, identificar, para registrar, com a curiosidade, com o conhecimento. É isso que a observação de aves proporciona. É uma atividade para muito além da academia. Então, quando a gente forma esse exército de observadores de aves, espalhados por ai, a gente aumenta consideravelmente as chances de fazer novos registros, porque existem novos olhos preparados para observar”, finaliza Cecília.

E Bruno reforça essa ideia: “Voltei ao local, mas não encontrei mais a piranga Olivácea. O legal é manter o olhar atento pra ver se a encontramos novamente ou a mais algum indivíduo. Todo mundo aqui está sempre de prontidão pra encontrar novas espécies. Noronha é agem de aves migratórias. Apesar de 17 espécies de aves serem da ilha, já foram registradas mais de 80 espécies diferentes, então, vez ou outra acontece de vermos uma espécie nova por aqui. O olhar sempre está atento, é legal porque cada vez tem mais pessoas ganhando interesse e se apaixonando pela ecologia, pelas aves, mais atentas do que nunca antes”.

A seguir, veja o post publicado pelo projeto Aves de Noronha, com as fotos realizadas por Bruno Galvão, para anunciar a espécie avistada:

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O projeto Aves de Noronha foi lançado por Cecília Licarião em 2018, dois anos depois de ela realizar seu trabalho de conclusão de mestrado no arquipélago. Desde então, tem realizado um lindo trabalho na região que envolve ecoturismo, pesquisa, educação e conservação

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Foto (destaque): Bruno Galvão

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José Henrique de Oliveira
José Henrique de Oliveira
13 dias atrás

Essa Ave chama – se Tié Sangue e existe muitas na ilha do Campeche em Santa Catarina.

Thalis
Thalis
9 dias atrás

O Tie sangue é diferente

Joel
Joel
12 dias atrás

Nas floresta cearense ja avista várias vezes conhece aqui como sangue de boi, ela é muito linda mesmo e o vermelho intenso se destaca das arvores.

Manoel Gonçalves Neto
Manoel Gonçalves Neto
9 dias atrás

Esse pássaro é o tié fogo aqui na minha propriedade temos bastante

Thalis
Thalis
9 dias atrás
Responder para  Manoel Gonçalves Neto

Não, esse não é o Tie sangue. Tem diferença desse para o outro

Luciana
Luciana
7 dias atrás

Em Bertioga em São Paulo já vi vários deles.

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