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Em registro raro, fotógrafo flagra onça-pintada predando capivara no Pantanal, repercute nas redes sociais e público ‘cancela’ o animal

9 de abril de 2022 vai ficar marcado na trajetória de João Pedro Salgado como o dia em que realizou dois sonhos de garoto, mas também em que colaborou para promover nas redes sociais – sem querer – uma discussão interessante sobre conservação e natureza. Isso aconteceu apenas porque ele divulgou, com imagens incríveis, ‘a vida como ela é’ na natureza. E ‘os juízes da internet’ não gostaram.

O post que publicou nesse dia, no Twitter, ficou entre os assuntos mais comentados. Rendeu agressões verbais e comentários sem fundamento – além do ‘cancelamento’ do animal ‘assassino’ que ele fotografara de manhã cedo.

Mas também conquistou o apoio de pesquisadores – que aproveitaram o episódio para esclarecer e combater a desnformação – e o interesse da imprensa. E provou, mais uma vez, que as pessoas estão  dissociadas demais da natureza. Vamos à história!

“A vida em estado puro”

João tem 22 anos e está no último ano do curso de graduação em Biologia na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fotografia e natureza são paixões antigas. No seu Instagram dá pra ver o quanto ele se sente à vontade nas duas áreas. 

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O desejo de conhecer o Pantanal e avistar onças-pintadas vem da infância também. Por isso, quando tomou conhecimento do concurso fotográfico do Onçafari – projeto de conservação da onça-pintada, que alia ecoturismo e ciência -, não perdeu tempo e se inscreveu. 

O prêmio? Uma expedição fotográfica para ver o maior felino das Américas no bioma que ele queria tanto conhecer, no Mato Grosso do Sul. 

João foi um dos vencedores e, no fim de semana ado, pode realizar seus sonhos de uma só vez. O que ele não imaginava é que ainda seria brindado por uma das cenas mais emocionantes que acontecem no Pantanal, sinalizando que a vida está em equilíbrio: uma onça-pintada caçando uma capivara“É a vida em estado puro”, como ele mesmo definiu.

“Superou qualquer expectativa”

Na manhã do sábado, 9/4, assim que chegou à Estância Caiman, ele já seguiu com os guias para um eio pela reserva. Minutos depois, lá pelas 6h, a primeira onça apareceu: ela tomava água na beira de um lago, uma cena típica por lá. Mas, de repente, o animal ficou em posição de ataque. “Algumas pessoas falaram que tinha uma capivara por ali e logo imaginei que ela poderia capturar o animal”.  

Ele continuou fotografando e flagrou o momento em que ela saltou e se jogou em direção à água. “Assim que a capivara viu a onça, mergulhou, mas a onça mergulhou atrás e saiu da água com a capivara na boca”. 

Isso tudo aconteceu em questão de segundos e João continuou clicando. “Fazer esse registro é muito raro! Registro de onça já é difícil, mas ela capturando é mais raro ainda”, contou.

Na sequência, já com a presa dominada, a onça partiu do local tranquilamente, arrastando-a pela boca, e João achou melhor filmar. Veja a cena no final deste texto e preste atenção no que João observa: “Perceba a facilidade que a onça tem para carregar a capivara de quase 50k só com a boca”.  

Na filmagem, é possível ouvir o som da mata e o barulho dos cliques frenéticos das câmeras fotográficas. Ninguém fala. “No carro, todos ficaram em silêncio, certamente por nervosismo e adrenalina. Fiquei muito nervoso, não pensei muita coisa”.

E ele acrescentou: “Sonhava ir ao Pantanal desde pequeno, mas ver a onça predando a capivara superou qualquer expetativa. Até então só tinha visto onça e cenas desse tipo em documentário. Momento incrível na minha vida. Foi uma realização pessoal e profissional”.

Onça “cancelada”

Assim que voltou à pousada, João publicou no Instagram a imagem que está no início deste texto e que rapidamente recebeu elogios de amigos e comentários de pesquisadores que conhecem e trabalham no Pantanal. 

Mas, no Twitter (em sua segunda conta – Biodiversidade Brasileira“que trata de assuntos gerais”), a recepção foi bem diferente. “A repercussão foi gigantesca, inesperada. Explodiu para além de qualquer tipo de bolha”.

Seu tweet ficou entre os assuntos mais comentados do dia, no Brasil. “Muita gente reclamou que eu publiquei imagens fortes da morte de um animal. A maioria era de comentários totalmente descabidos”. 

E a onça-pintada fotografada por João foi ‘cancelada’!  Teve quem comparasse a imagem com um flagrante de homicídio:

“Vou começar a postar fotos e vídeos de pessoas sendo mortas em acidentes e assassinadas… É algo biológico, sabe?”, disse um internauta, que ainda acrescentou: “Natural ocorrer de uma pessoa atirar na própria cabeça ou de alguém abrir outra pessoa ao meio por ódio ou vingança”. 

João disse que respondeu a apenas dois comentários quando viu que a maioria era de pessoas desinformadas, mas também quando percebeu que os próprios seguidores estavam rebatendo tanto absurdo. “Quando eu gostava da resposta, curtia, e isso já sinalizava minha participação”. 

Lei da sobrevivência 

Gustavo Figueirôa, biólogo e divulgador científico do Instituto SOS Pantanal, elogiou a imagem de João em seu perfil no Instagram e esclareceu que as imagens de João representavam a natureza como ela é.

Para tanto, usou uma imagem do tweet que João acabou tirando do ar devido à exploração de suas imagens por pessoas inescrupulosas, que queriam lucrar com elas. 

Em seu post, Figueirôa conta: “Algumas pessoas reclamaram dizendo que já tem tecnologia suficiente para produzir alimento de origem vegetal para alimentar esses animais. Mas as onças-pintadas são animais carnívoros estritos, ou seja, só comem carne para sobreviver”.

Teve gente que disse que “é inaceitável isso: os animais se digladiando para sobreviver!”. Mas Figuerôa esclarece que “esse comportamento é completamente normal. Não tem nada de errado com essa cena. Nada! Ela simplesmente representa a natureza seguindo seu curso normal: um predador topo de cadeia predando sua presa”. 

A presença da onça-pintada sinaliza que o ambiente está saudável, preservado, porque ela é um animal do topo da cadeia alimentar: se ela tem o que comer – como uma capivara, por exemplo -, significa que os demais animais também têm. A vida pulsa.

Para o G1, Figuerôa ainda se declarou assustado com tanta desinformação: “As pessoas não têm noção do que é a natureza. Os animais estão exatamente onde deveriam estar”. E completou: “Elas tentam vilanizar a situação, mas, na natureza, é um morrendo para o outro sobreviver, é a lei da sobrevivência”.

Tudo ‘culpa’ da capivara 

João ressalta, ainda, que um registro como o que ele fez no Onçafari é importante também devido a dois lemas da conservaçãoconhecer para preservarnão humanizar os animais.

De fato, a gente só preserva o que conhece. Quem não conhece a dinâmica da natureza não se reconhece como parte dela e, por isso, não se interessa em protegê-la. 

“Muitas vezes a gente fala da Amazônia, mas ela está tão distante para a maioria dos brasileiros, dos nossos olhos, que fica só na teoria, não provoca ação”. 

Quanto à pratica de humanizar os animais, ele explica: “As pessoas adotam conceitos humanos para lidar com animais selvagens como, por exemplo, a capivara, que eu tenho total certeza que é o motivo dessa confusão toda”. 

“Eu já tinha compartilhado em minhas redes fotos de amigos que mostravam onças predando jacarés ou sucuris e nunca houve essa repercussão”. E completa:

“A humanização frequente de animais nos leva a colocar, de forma inconsciente, uma moralidade para avaliar esses casos, achando que é certo ou errado, mas esses são conceitos especificamente humanos. E não devem ser aplicados ao analisar a natureza”. 

“Abriu portas”

Apesar dos comentários absurdos e desprovidos de conhecimento que se espalharam a partir de suas imagens, João diz que se sente feliz com a repercussão porque ela trouxe muitos frutos positivos: 

“Abriu portas, trouxe mais público para as minhas páginas (cerca de 30 mil nas duas redes) e, principalmente provocou essa discussão. Poder discutir sobre a natureza, também na mídia, é superimportante, ainda mais quando é feito de forma saudável. Vou levar essa experiência para o resto da vida, para meu futuro”. 

Agora, acompanhe os registros selecionados por João Pedro (alguns, já mostrei acima), na sequência em que foram feitos (e apresentados assim em seu Instagram), que revelam os movimentos lindos e precisos da onça-pintada. Em seguida, está o vídeo que mostra a onça levando seu ‘almoço’ tranquilamente, pela boca.

Fotos: João Pedro Salgado

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