
No ano ado, os organizadores do festival de documentários É Tudo Verdade foram pegos de surpresa pela pandemia. Marcado para março, exatamente quando a doença começou a se espalhar por aqui e as salas de cinema fecharam, foi adaptado para a versão digital e dividido em dois momentos: março (para celebrar seus 25 anos) e setembro (reservado para a competição).
Agora, um ano após o início da maior tragédia sanitária da história do país – com mais de 4 mil mortes por dia! -, a 26º. edição do festival continua digital e será exibida de 8 a 18 de abril em plataformas de streaming – Looke (o site do festival direciona os espectadores para lá), Spcine Play e Em Casa com Sesc -, além do Canal Brasil.
Uma série de bate-papos com cineastas e outros profissionais do audiovisual (a partir de 14/4, no canal do Youtube do Sesc 24 de Maio), palestras (no site do Itaú Cultural) e homenagens ao diretor Chris Marker e a Ruy Guerra (com direito a master class no YouTube acima indicado) no dia 13/4, às 11h.
Música, política, direitos humanos, meio ambiente e pandemia
Ao todo, são 69 filmes, entre longas, curtas e médias metragens (16 a menos do que no ano ado), que se dividem em duas mostras – O Estado das Coisas e Caetano.Doc – e exploram temas relacionados a música, aos universos político, social e ambiental (ainda mais num mundo em convulsão como o que vivemos) e, claro, à pandemia.
Imagina se documentaristas de todo o mundo não iriam mirar suas câmeras para registrar os detalhes de tamanha catástrofe! Ainda bem que a tradução dessa tragédia vai muito além de máscaras, isolamento, hospitais e tristeza: é criativa e plural como a humanidade.
Se você quiser se aprofundar para poder escolher bem, vale ler o artigo publicado na Folha de São Paulo a respeito.
Alguns filmes podem ter exibições únicas ou ficar disponíveis por até 24 horas, podendo ter limite de visualizações (a maioria oferece 2 mil, mas há casos com apenas mil possíveis espectadores).
Escolha seus favoritos na programação no site do festival e verifique em que plataforma será apresentado.
Todos os títulos participam das mostras competitivas e os premiados serão qualificados para disputar o Oscar de 2022.
Premiação e ‘A Última Floresta’ no encerramento do festival

Depois de participar do Festival de Berlim, em março (foi o único brasileiro), o mais recente filme de Luiz Bolognesi, A Última Floresta, vencedor do Prêmio ABRACCINE, será exibido pela primeira vez no Brasil no dia de encerramento do festival, às 19h, na plataforma Looke, com o pela programação no site do festival.
Esta é uma super oportunidade para assistir a obra-prima sobre a qual contei aqui, realizada pelo diretor de Ex-Pajé, com roteiro original do xamã Davi Kopenawa, autor do livro A Queda do Céu, escrito com o antropólogo Bruce Albert.
No filme, Davi tenta manter vivos os espíritos da floresta e as tradições de seu povo, enquanto a morte ronda sua aldeia isolada em Roraima, na Amazônia, com os garimpeiros que invadem suas terras levando doenças para a comunidade.
Antes da exibição do filme, às 17h, acontece a cerimônia de encerramento, quando os vencedores serão anunciados pelo canal do YouTube do É Tudo Verdade.
Depois do festival É Tudo Verdade, A Última Floresta participa da 51ª edição do renomado festival suíço Visions du Réel, que acontecerá de 15 a 25 de abril.
Em seguida, o diretor parte “com os Yanomami” para a Seleção Oficial do HotDocs 2021, o mais importante festival de documentários da América do Norte, que acontece em Toronto, no Canadá, de 29 de abril a 9 de maio.
Yãokwa: um ritual para apaziguar os espíritos

Não vou aqui, discorrer sobre todos os filmes do festival É Tudo Verdade, mas quero destacar dois cujas temáticas me tocam e, acredito, devem ser muito inspiradores para todos nestes tempos de tanta dor e luta.
São eles: Yaõkwa: Imagem e Memória, de Vincent e Rita Carelli, que participa da Competição Brasileira de Curta-Metragem, e Paul Singer: uma Utopia Militante, de Ugo Giorgetti, que integra a mostra O Estado das Coisas.

Em Yaõkwa, o cineasta e sua filha, atriz e diretora, ambos indigenistas, apresentam um longo cerimonial do povo Enawenê-Nawê, do Mato Grosso, realizado para “alimentar e apaziguar os espíritos”.
Durante sete meses, os mestres de cerimônia dessa etnia entoam cantos e contam narrativas mitológicas para equilibrar os mundos terreno e espiritual.
Os velhos mestres foram morrendo, mas a partir de extensos registros realizados por indígenas integrantes do projeto Vídeo nas Aldeias, criado e implantado por Vincent, foi possível resgatar cantos e narrativas esquecidos.
Vale destacar que o Vídeo nas Aldeias foi lançado por Vincent Carelli em 1992 com o objetivo de formar cineastas e documentaristas indígenas. Utiliza recursos audiovisuais para fortalecer a identidade e a cultura desses povos.
Em seu filme Martírio, de 2016, Carelli apresenta conflitos filmados por esses jovens documentaristas indígenas (esse filme faz parte de uma trilogia e falamos dele em duas ocasiões, no seu lançamento: aqui e aqui),
Singer, um militante iluminista

O segundo filme do festival que quero destacar – Paulo Singer: uma utopia militante – narra a trajetória do pensador e educador desde sua chegada ao Brasil em 1940, quando fugiu da Segunda Guerra Mundial, até 2016, quando liderava movimentos de economia solidária.
Neste filme, Ugo Giorgetti tenta mostrar a beleza deste pensador e educador, considerado um iluminista. Um educador que, mesmo em sua nobre função (ou sobretudo nesse momento) fazia política.
Em 2016, ele concedeu entrevista à jornalista Mônica Ribeiro, que escreve em nosso site sobre economia solidária. Vale a leitura: Uma Conversa com Paul Singer. O pensador faleceu em abril de 2018.
Muso pandêmico

Pra finalizar este texto, lembro que, como Caetano Veloso tem sido um de nossos musos neste período pandêmico – ah, seus shows e sua presença nas redes sociais têm sido como bálsamos neste período nebuloso e nefasto que vivemos – o festival dedica uma mostra inteirinha à ele – CAETANO.DOC – exibida na plataforma SPCine Play.
A mostra inclui Narciso em Férias e algumas preciosidades como filmes que evocam os Doces Bárbaros, Uma Noite em 67, Coração Vagabundo e Canções do Exílio: a labareda que lambeu tudo.
Foto: Imagem de divulgação do filme ‘A Última Floresta’, de Luiz Bolognesi
Muito pouco tempo fe exibição dos filmrs. Não é justo!