
Em um cenário de sucessivos desastres ambientais, violação de direitos e crises humanitárias, no qual tem atuado desde 2011, o Grupo de Resposta a Animais em Desastres (GRAD Brasil) identificou a urgência de atuar em territórios indígenas, a fim de contribuir para proteger não só a herança cultural desses povos, mas também seus modos de vida, sua terra e seus vínculos com os animais (em especial, os domésticos) e a natureza.
Assim, a presença do GRAD em comunidades indígenas de diferentes biomas tem sido constante e ampliada, promovendo saúde e bem-estar de forma integrada entre habitantes, natureza e animais.
Essa atuação é bem definida pelo conceito de Saúde Única (One Health), que reconhece a interdependência entre saúde humana, animal e ambiental. “Proteger os animais é proteger também as pessoas e a terra na qual vivem”, por isso, sua abordagem une atendimento veterinário, escuta ativa e respeito às tradições locais.
Animais domésticos e a rotina familiar nas aldeias
Com mais de 1,6 milhão de indígenas, o Brasil abriga uma das maiores diversidades culturais do planeta, com 305 povos e 274 línguas faladas. Mas essa riqueza cultural tem sido há anos ameaçada por invasões de terras, pelo garimpo ilegal, pelo desmatamento e abandono por parte de governos sucessivos.
A crise sanitária que atingiu os Yanomami e “estourou” no início de 2023 (contamos aqui e aqui) escancarou essa realidade: desnutrição grave, surtos de doenças emortalidade infantil revelaram a gravidade do descaso.
Nesse contexto, o GRAD desempenhou papel inédito: foi a única organização a levar médicos veterinários às aldeias Auaris e Olomai na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Lá, atendeu mais de 130 animais – entre cães, gatos, galinhas e porcos – com vacinação, vermifugação e tratamentos clínicos.

Foto: arquivo GRAD Brasil
Em boa parte das comunidades indígenas, hoje, os animais fazem parte da rotina familiar. Estão presentes na proteção, na alimentação e até na espiritualidade, convivendo com as pessoas num ambiente de interdependência.

Foto: arquivo GRAD Brasil
“Não se trata apenas de animais de estimação — eles são parte da vida, da identidade e da estrutura de cada aldeia. Cuidar deles é cuidar da aldeia como um todo”, explica a equipe do GRAD.

Foto: arquivo GRAD Brasil
Nesse contexto, ignorar a saúde desses animais é comprometer também a segurança alimentar e sanitária dos humanos, por isso, o GRAD vai além do atendimento clínico: suas ações envolvem diálogo com lideranças indígenas, respeito aos saberes tradicionais e construção de soluções conjuntas, sem imposições.
Levando em conta a cultura e os conhecimentos locais, os integrantes do GRAD, que atenderam os Yanomami, também levaram insumos e realizaram ações educativas com foco na saúde multiespécie.

Foto: arquivo GRAD Brasil
Saúde do território
A diversidade de biomas e realidades também define a atuação do grupo, tanto que a organização já levou assistência técnica, alimentos e apoio logístico para animais afetados por emergências em comunidades como:
– Guató, durante as queimadas no Pantanal, no Mato Grosso;
– Pataxó Hã-Hã-Hãe, após o desastre de Brumadinho, em Minas Gerais (foto abaixo);
– Apiaká, Kaiabi e Munduruku, também no Mato Grosso;
– Guarani Mbya em aldeias no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro; e
– Parakanã no território Apyterewa, no Pará.

Fotos (acima e abaixo): arquivo GRAD Brasil

Vale destacar, aqui, que a operação em Apyterewa, iniciada há mais de um ano e meio, é uma das mais complexas para o GRAD.
Após a desintrusão do território – retirada dos invasores (garimpeiros) -, centenas de animais foram deixados para trás, entre eles cães, gatos, bois, porcos, galinhas, búfalos, cabras e ovelhas. O Ibama, então, acionou o GRAD para realizar o resgate, o tratamento sanitário e a destinação responsável desses animais. Até agora, mais de 300 foram adotados (contamos sobre a campanha de doação de cães – Adota Apyterewa -, aqui).

Foto: reproduções do site da campanha
Como retaliação por suas ações, o grupo ou por situações de perigo. “Enfrentamos sabotagem e riscos reais como pneus furados, destruição de abrigos e até troca de tiros. “Mesmo assim, seguimos firmes”, conta Hudson Lucas Moreira de Lima, médico veterinário e membro do GRAD, que lidera a missão no território Parakanã.
“Castramos mais de 120 cães e 80 gatos, fornecemos ração de qualidade e medicamentos antiparasitários, recuperando animais que estavam em condições graves de subnutrição“, acrescenta.
“Utilizamos as próprias casas abandonadas pelos invasores como abrigo para os animais e o trabalho de adoção tem sido fundamental para dar um destino digno a eles”, completa Hudson.
O cuidado multiespécie e o respeito às especificidades culturais guiam as decisões do grupo em cada missão. Até agora, pelo menos 15 comunidades indígenas receberam atendimento direto do GRAD, sempre levando em conta a premissa de que a saúde do território depende do bem-estar de todos os seres vivos que o compõem.
Guarani Mbya
Integrando o conceito de Saúde Única, o GRAD destaca a ação realizada entre 10 e 13 de fevereiro em Angra dos Reis e em Paraty (RJ), em três aldeias Guarani Mbya – Sapukai (foto abaixo), Itaxi Mirim e Tekohá Dje’y -, nas quais protocolos sanitários foram aplicados em 156 animais, além de atendimentos emergenciais e coleta de amostras biológicas para estudo.

Foto: arquivo GRAD Brasil
A missão foi liderada pela Fiocruz em parceria com a Universidade Federal do Paraná(UFPR) e a
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a missão ainda teve o apoio do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) e da Prefeitura de Curitiba.
Política e ética
Mais do que uma resposta técnica, o trabalho do GRAD representa um posicionamento político e ético: o de que nenhuma vida deve ser ignorada e que a saúde coletiva a pela proteção dos povos originários e da natureza que os cerca.
Para os integrantes da instituição, em tempos de emergência climática e retrocessos em políticas públicas, reforçar esse compromisso é essencial. Mais: o GRAD Brasil mostra que é possível agir com ciência, sensibilidade e respeito, cuidando da vida em todas as suas formas.
“Proteger os povos indígenas é também proteger os animais, os territórios e o futuro do planeta“, defende.
Como nasceu o GRAD
A história do GRAD Brasil – pioneira e líder em seu campo de atuação – começou em 2011 com um grupo de amigos (veterinários, bombeiros e brigadistas) apaixonados por animais. Nesse ano, um grande desastre atingiu a região serrana do Rio de Janeiro– o maior em 40 anos na região.
Devido a forte tempestade – já era um extremo climático – principalmente em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, deslizamentos e rios que transbordaram varreram casas, comércios, pontes e ruas, deixando 905 mortos, 345 desaparecidos e 34.600 pessoas desabrigadas ou desalojadas.
Ao tomar conhecimento da situação que vitimava animais (e humanos), a veterinária Carla Sassi – que também é bombeira civil (à esquerda, na foto abaixo) -, reuniu amigos e colegas a fim de atuar em meio ao caos do desastre e salvar vidas.

Amanda Mazzo em Cananeia, na Aldeia Takuari-Tu
Foto: arquivo GRAD Brasil
Para tanto, eles se juntaram e arrecadaram doações e suprimentos e partiram de Conselheiro Lafaiete (MG) para o Rio de Janeiro “com a esperança de fazer a diferença”. E fizeram.
A princípio, imaginaram que bastaria uma semana para realizarem tudo que precisava ser feito. No entanto, a realidade trágica do local mostrou rapidamente que suas expectativas estavam aquém das necessidades e permaneceram na região por 29 dias.

Foto: arquivo GRAD Brasil
Para tornar o atendimento eficaz, com o apoio de outras instituições e voluntários, os integrantes do futuro GRAD montaram um espaço dedicado ao atendimento dos animais resgatados em Nova Friburgo, no qual centralizaram os atendimentos.
Foi um grande desafio que revelou a urgência de uma “atuação organizada e especializada em prol dos animais em situações de desastres”. E, assim surgiu oGRAD – Grupo de Resgate de Animais em Desastres, como o grupo foi chamado até o ano ado. A evolução natural de sua trajetória levou à alteração do nome para Grupo de Resposta a Animais em Desastres, que melhor reflete a amplitude e o impacto de suas ações.
Referência Nacional
Em 14 anos, a organização expandiu sua atuação, oferecendo uma resposta abrangente às emergências que envolvem a fauna. Não apenas resgata, mas também presta assistência contínua – ações de assistência, ações sanitárias, controle populacional – e promove a reabilitação dos animais e das comunidades afetadas.
Em seus atendimentos, inclui a promoção do equilíbrio ambiental e da saúde humana e animal. Paralelamente, oferece consultoria e cursos de formação. Isso é que visão de futuro!
O GRAD é referência nacional em resgate de animais em desastres, atuando em todos os biomas – “o cuidado com os animais em perigo não conhece fronteiras” – dando e e resposta emergencial em situações diversas: de incêndios florestais a enchentes e deslizamentos, resultados cada vez mais frequentes da crise climática.
Até hoje, foram realizadas mais de 60 operações e missões – com destaque para os incêndios no Pantanal, a tragédia socioambiental de Brumadinho e a crise humanitária dos Yanomami (veja todas aqui) -, com mais de 20 mil animais resgatados e mais de 10 mil famílias atendidas.
Atua em parceria com órgãos oficiais como a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros Militar, a Polícia Militar, a Guarda Municipal e o Poder Executivo. E ainda conta com o apoio de Conselhos Regionais de Medicina Veterinária, do Ministério Público, do Fórum Nacional de Defesa e Proteção Animal e do Conselho Federal de Medicina Veterinária.
Como toda organização independente, para manter suas atividades o GRAD Brasil depende de apoio financeiro constante e doações pontuais – a partir de campanhas específicas. Então, se puder, colabore apoiando, doando e, também, compartilhando o trabalho realizado pela instituição. E siga nas redes sociais: Instagram e YouTube.

Este registro é em Cananeia (SP), na Aldeia Takuari-Tu
Foto: Arquivo GRAD Brasil
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Foto: GRAD / divulgação
Com informações do GRAD Brasil
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