
Uma cena bizarra flagrada nas ruas do Aterro do Flamengo, na zona sul carioca, na semana ada, se espalhou pelas redes sociais: após capturar uma tartaruga marinha na praia, um homem caminhava pela rua com o animal embaixo do braço. Foi denunciado a policiais que o impediram de prosseguir.
O vídeo, gravado por alguém que ava pelo local, mostra um dos agentes da Polícia Militar (2º BPM, de Botafogo) conversando com o homem e indicando a viatura, que está com a porta aberta.
Os policiais resgataram a tartaruga e a devolveram ao mar. Fizeram exatamente o que deveria ser feito: garantiram que a tartaruga – que movia as patas desesperadamente – não ficasse muito mais tempo fora da água. Mas o criminoso escapou. Em nota, a PM declarou que “os policiais localizaram o envolvido e, ao retirarem o animal de suas mãos, ele fugiu”.
A primeira reação que tive ao saber da fuga do criminoso, foi de revolta. “Como os policiais poderiam tê-lo deixado escapar?!”. A lei contra crimes ambientais é branda, sabemos, mas não me conformava que mais um criminoso, que atentou contra a vida de um animal indefeso, ficaria impune.
Imaginei que se tratava de um traficante, portanto de uma pessoa que já estava acostumada a cometer esse tipo de delito contra a fauna silvestre, como os que drogam e roubam macacos e outros bichos do Jardim Botânico para traficá-los, por exemplo.
Mas, uma informação me chamou a atenção nas reportagens que li e me fez compreender a situação de outro modo. O homem aparentava viver em situação de rua (apesar da má qualidade do vídeo, dá pra ver que estava descalço, mal-vestido, e tinha o cabelo bastante desgrenhado). Portanto, a cena inusitada era muito mais do que isso: aquele homem, cometeu um crime ambiental – talvez sem saber –, possivelmente porque estava com fome.
Há outra hipótese: ele pode ter sido aliciado por um traficante em troca de comida ou dinheiro. Seja como for, o caso desta tartaruga marinha vai além da questão ambiental. Tem também um componente social importante; e humanitário.
E, mais do que não deixá-lo escapar – terá sido por humanidade ou incompetência? –, os policiais poderiam tê-lo encaminhado a um serviço de assistência social ou a uma ONG que oferece alimentos e cuidados a pessoas em situação de vulnerabilidade.
O fato de o criminoso ambiental viver na rua – portanto, sem condições ideais para se alimentar e sobreviver -, também mudou sua percepção sobre o desfecho deste caso?
Como lidar com a vulnerabilidade, neste caso?
Não questiono a atitude dos policiais, claro que não! Eles fizeram o correto: impediram que o homem levasse a tartaruga com ele, impactando a biodiversidade e seu habitat. A espécie está em risco de extinção e capturar animais silvestres é crime, em qualquer lugar do país.
É o que diz a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9605), de 12 de fevereiro de 1998, que indica que, quem molestá-los, capturá-los, perseguí-los ou causar-lhes qualquer dano, será penalizado com multa de um a 40 salários mínimos (por animal) ou prisão, em casos extremos.
E, no vídeo, a impressão que ficou foi de que os policiais pretendiam levá-lo preso, afinal, o que o homem fez é ilegal. Mas o mais provável é que desconhecesse a lei. E, se conhecia a lei, preferiu arriscar-se, e o Estado (representado aqui pela PM) deveria saber lidar com ele, considerando sua condição vulnerável.
“Proteger as tartarugas marinhas depende de nossas ações”
Quanto à tartaruga marinha, devolvida a seu habitat, eis o recado do oceanógrafo e documentarista Ricardo Gomes, do Instituto Mar Urbano:
“As tartarugas marinhas são verdadeiros símbolos da resiliência da vida nos oceanos. Sobreviveram à extinção dos dinossauros e o ser humano está colocando a vida delas em risco. Proteger as tartarugas marinhas é proteger o equilíbrio do ecossistema dos nossos mares. No Brasil, é expressamente proibido molestar ou manusear tartarugas marinhas, uma medida necessária para proteger a espécie ameaçada de extinção”.
E ele comenta o caso que relatei acima: “Ontem, um vídeo circulou mostrando uma pessoa pegando uma tartaruga no colo. Isso não é apenas ilegal, mas coloca em risco a vida do animal e pode levar a multas severas. Protegê-las é responsabilidade de todos nós. Respeite a vida marinha e denuncie casos de molestamento. O futuro delas depende das nossas ações hoje” (assista à fala de Ricardo no vídeo publicado no perfil do Instituto Mar Urbano, abaixo).
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Fotos: Instituto Mar Urbano (tartaruga) / reprodução do vídeo (o homem, a tartaruga e o policial)
Com informações do G1 e do Instituto Mar Urbano