Kehinde era uma escrava africana, que ao ganhar a liberdade, depois de uma trajetória marcada pelos mais diversos tipos de violência, segue na busca pelo filho. A saga dessa mulher é contada no livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, obra lançada em 2006, e que inspirou o enredo da escola de samba carioca Portela este ano.
“Nasci quilombo e cresci favela”, nome do samba enredo, fala sobre luta, ancestralidade e a força das mães negras.
Também conhecida como Luisa Mahin, Kehinde era mãe do abolicionista Luiz Gama, também homenageado no desfile da Portela. Ainda menino, com dez anos, ele foi vendido como escravo pelo pai, um fidalgo português. Até seus 17 anos, ele continuou nessa condição de trabalhos forçados. Autodidata, consegue se alfabetizar sozinho, e daí em diante, se tornou advogado e lutou pela causa negra. Morreu, infelizmente, sem ver a abolição da escravidão no Brasil.
Em 1880, Gama escreveu o seguinte texto num jornal:
“Em nós, até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta cor convencional da escravidão, como supõem os especuladores, à semelhança da terra, ao través da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”.
E a Portela mostrou na Avenida Marquês de Sapucaí, com muita beleza e sensibilidade que, quase 150 anos depois, os negros brasileiros ainda são julgados pela cor de sua pele. Julgados, condenados e mortos.
Um dos carros alegóricos da escola desfilando na Sapucaí
(Foto: Alex Ferro/Riotur/Fotos Públicas)
Na última ala da escola, decorado com borboletas azuis, a cor da Portela, o carro alegórico batizado de “Um defeito de cor”, trouxe como destaque 16 mães de vítimas de violência no Rio de Janeiro. Entre elas estava Marinete Silva, mãe da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, e a mãe de Kathlen Romeu, morta com um tiro de fuzil no peito disparado por um policial militar em 2021. A jovem estava grávida de três meses.
O público se emocionou com a dor das mães que perderam seus filhos para a violência e o racismo
(Foto: Alex Ferro/Riotur/Fotos Públicas)
Cada uma das mães desfilou segurando um objeto que lembrava o filho ou filha. Marinete carregava um estandarte onde estava escrito “Marielle vive”. Até hoje o crime da vereadora não foi solucionado. Os mandantes do assassinato continuam em liberdade.
A mãe de Marielle Franco foi uma das homenageadas pela Portela
(Foto: Alex Ferro/Riotur/Fotos Públicas)
Foto de abertura: Alex Ferro/Riotur/Fotos Públicas