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Mafufo ou charutinho. Seja livre e chame do que quiser

Mafufo ou charutinho. Seja livre e chame do que quiser

Bem antes de serem comadres, além de madrinha e afilhada uma da outra, já eram amigas.

Os pais eram amigos e vizinhos de porta. As meninas corriam na mesma rua, ganhavam bonecas parecidas no Natal pra brincar de casinha no dia seguinte. Gostavam das mesmas coisas, cresceram juntas, paqueraram os mesmos meninos. Até que uma se casou e a outra não. Por enquanto. Ainda vai, diziam elas uma pra outra.

– Um dia encontro a tampa da a. 

–  Um dia você encontra a tampa da a…

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Acontece que a que não se casou tem uma vida que ela gosta muito de viver. Viaja, sai pra balada, encontra amigos. Adora cozinhar e faz jantares. Vai ao cinema, critica os filmes, lê romance, biografia, Twitter, jornal, clássicos e vanguarda.

A amiga casada cuida dos filhos, do marido e anda olhando meio torto pra esse jeito moderno demais de namoro da juventude, também adotado pela amiga solteira.

O sobrinho pôs brinco. Franziu a testa e falou: “Sei não esse menino…” O  cunhado trouxe o vinho e destampou a falar de política: “Comunista? Eu já desconfiava…”

A mulher solteira olha, pondera e se pergunta onde é que se perdeu a leveza da melhor amiga.  No casamento é que não devia ser, porque o marido era gente boa, tranquilo, condescendente até com os quase absurdos explícitos da esposa. Os filhos educadíssimos, bem formados.

Tinha um ranço ali que devia estar adormecido e despertou. Agora, a amiga não tolerava conversa,  não tolerava  qualquer opinião divergente, não tolerava o professor de história da filha que cursava ensino médio, música não estava disposta a ouvir mais, nem Caetano, nem Gil, que antes gostava tanto.

Andava difícil a convivência, mas a amizade era de tão longa data. Tinha um tanto daquela menina vizinha da infância ali que ainda valia o esforço.

Convidou pra um almoço domingo na casa dela.

– Vou fazer mafufo, quibe. Um almocinho árabe.

– Charutinho, tia? – disse o filho mais novo da amiga.

– Mafufo, charutinho, o que você quiser. Com o meu nariz, tenho obrigação de chamar de mafufo, né?

E riram.

A amiga se dispôs a chegar mais cedo pra ajudar. Depois a família chegaria e levaria uma bebida.

– Ótimo, assim, conversamos coisas de menininha.

Domingo, 10h da manhã, toca a campainha.

–  Entra, minha querida!!

A amiga solteira estava de avental, terminando o preparo do mafufo. Enrolava a mistura de arroz, carne moída e temperos nas folhas cozidas de couve. O mafufo podia ser de repolho, folha de uva, mas o de couve era o preferido de todo mundo.

– Entra e vem aqui pra cozinha. Quer uma taça?

– Como consegue viver assim, sozinha? Devia ter se casado. Não é bom mulher ficar solteira nessa idade.

 A amiga solteira só sorriu. Andava bem cansada de ouvir esse comentário, mas também já o esperava.

– Sabe aquela moça do escritório do fulano que eu comentei? Tão dizendo que vai casar com um músico. Isso não é profissão, não acha? Vai viver de quê? A mãe do colega do filho mais novo convidou pra uma ação de caridade. Cheguei lá, tinha aula de capoeira, umas pessoas com colar de contas coloridas, uns cabelões. Vê se eu vou frequentar esses lugares. Não dá. Muito estranho. Quando é assim, não é caridade nada. É doutrinação. Não dá.

Ouvia tudo isso enquanto enrolava os mafufos. O caldo já  estava pronto e ia pra fervura. Preparou a a para o cozimento. Do jeitinho que a mãe ensinou, cruzou dois garfos no fundo da a pra empilhar os mafufinhos. Era um truque pra não grudar no fundo.

A amiga casada viu o procedimento. Arregalou os olhos, depois apertou. Chegou mais perto pra conferir:

– Por que você cruza esses garfos no fundo da a?

A amiga solteira virou o rosto em direção à visita bem lentamente, ameaçou um sorriso malicioso sem mostrar os dentes, deu uma levantadinha na sobrancelha direita, agravou a voz e falou silabado:

–  MA-CUM-BA!

A amiga casada deu um pulo pra trás, soltou um grito e foi embora correndo.

Fim.

Receita de mafufo

INGREDIENTES
2 xícaras de arroz
1 xícara de carne moída
1 tomate picadinho sem semente
1 cebola picadinha
2 colheres de massa de tomate ou meia xícara de molho de tomate
pimenta do reino a gosto
pimenta síria a gosto
sal a gosto
1 maço de couve

MODO DE FAZER

Prepare a couve:

Numa a com água fervente, mergulhe as folhas de couve para que sejam pré-cozidas e fiquem maleáveis para a dobra.

Assim que a fervura recomeçar, retire as folhas e reserve.

Repita o procedimento até que todas estejam pré-cozidas.

Escorra as folhas e, assim que esfriar, abra uma a uma sobre uma bancada. Retire os talos centrais e reserve para fazer farofinha, arroz de couve, outros preparos.

Cada lado da folha vai servir pra um mafufo. Ou charutinho.

Prepare o recheio:

Lave o arroz uma hora antes de enrolar o mafufo. O ideal é que os grãos estejam bem sequinhos.

Junte numa vasilha o arroz, a carne moída (crua), o tomate picadinho, a cebola e a massa de tomate. Tempere com sal a gosto, pimenta do reino, pimenta síria. Misture com um garfo ou com as mãos, pra ficar soltinho.

Numa bancada abra a folha de couve. Coloque uma porção (uma colher de sopa) da mistura perto de uma extremidade da folha, deixando um espaço pra primeira dobra. Dobre, puxe as laterais da folha para o para o centro e finalize o rolinho.

Enrole sem apertar muito, para facilitar o cozimento. Se quiser fazer como minha mãe fazia, – claro que não é macumba nem simpatia, isso foi só um recurso pra espantar gente chata – cruze os garfos ou facas no fundo da a. Já cozinhei sem esse recurso e deu certinho, sem queimar.

Empilhe o mafufo na a, bem juntinho, de preferência, pra não abrir no cozimento. Cubra com o caldo fervente – de frango, de legumes – ou mesmo só com água fervente com sal. Assim que reiniciar a fervura, baixe o fogo e deixe secar.

Prove. Tá macio?  Pronto.

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Foto: Lesya Dolyk/Creative Commons/Flickr

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