
O primeiro o foi dado. Foi realizada hoje pela manhã, no Palácio do Iguaçu, em Curitiba (PR), a apresentação ao governo do Paraná do anteprojeto de desenvolvimento alternativo para o litoral do Estado, que prevê investimentos em turismo e estímulo ao ciclismo.
Ele é uma alternativa à proposta de instalação de um complexo industrial no município de Pontal do Paraná, no litoral do Estado, e de um porto que seria construído a menos de três quilômetros da Ilha do Mel (leia mais sobre este polêmico projeto nesta outra matéria).
O encontro de hoje contou com a presença das secretarias de Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Planejamento e Infraestrutura e Logística, e de representantes do Ministério Público do Paraná.
A alternativa apresentada foi desenvolvida por arquitetos e engenheiros especializados, pagos por recursos conquistados na campanha de financiamento coletivo “O litoral do Paraná pede socorro”, lançada no portal Benfeitoria em abril de 2019, pelo movimento #SalveAIlhaDoMel. Ele é integrado por duas dezenas de entidades que se posicionam a favor da defesa do patrimônio natural, cultural e social do litoral do Paraná e contra interesses individuais que busquem fragilizar os direitos e interesses da coletividade e a proteção da natureza.

“É a primeira proposta de desenvolvimento alternativo para o litoral do Estado apoiada pela sociedade civil, e não imposta por empresários interessados em lucrar às custas da população e do que restou do patrimônio natural em nosso Estado”, diz Giem Guimarães, diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), uma das entidades que integram a campanha #SalveAIlhaDoMel.
A campanha ficou no ar por 60 dias e ultraou em quase 7% a meta de arrecadação (R$ 35 mil), totalizando R$ 37.340,00 reunidos no prazo.
Litoral do Paraná pode se tornar referência global em cicloturismo
A alternativa que foi apresentada ao governo do Paraná nesta sexta-feira, prevê a construção da chamada “Ciclo-Rodovia Interpraias”, com mais de 50 quilômetros de ciclovias que interligariam dezenas de municípios, praias e ilhas, além de cicloparagens e mirantes turísticos, que estimulariam a contemplação da natureza e a educação ambiental.
O projeto conta ainda com estruturas para estímulo, valorização e comercialização de produtos locais e outras soluções que facilitariam o fluxo de moradores, ciclistas e pedestres na região: tudo para beneficiar a sociedade, estimular uma economia limpa e lucrativa e proteger a natureza.

O incentivo ao cicloturismo pode tornar o litoral do Paraná referência global no setor, trazendo pessoas de todo o mundo interessadas em pedalar pelos cenários de uma das maiores áreas contínuas de Mata Atlântica ainda preservada. Além disso, outros esportes, como surf, caminhadas, ou atividades náuticas, por exemplo, seriam impulsionados.
Melhorias estruturais na PR-412 também estão compreendidas
A proposta também prevê melhorias na PR-412 que sejam capazes de desafogar expressivamente o trânsito na via que, em épocas de temporada, fica excessivamente congestionada. Ela liga a PR-407 a diferentes balneários do litoral, mas a intensidade do fluxo em alguns momentos do ano dificulta o o de moradores, comerciantes e turistas.
O anteprojeto propõe duplicações de alguns trechos, a construção de ciclovias para viabilizar o trânsito de moradores e turistas que utilizam bicicletas, pontes para travessia de pedestres e rotatórias que facilitariam a dinâmica dos deslocamentos. “Diferente da proposta da Faixa de Infraestrutura, as soluções trazidas pelo anteprojeto consideram diversas alternativas que atendam a necessidade de deslocamento das pessoas”, lembra Giem.
“O litoral do Paraná tem um dos maiores potenciais para o turismo de natureza do Brasil, mas até hoje não recebeu investimentos honestos e expressivos no setor”, defende Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), outra entidade que apoia a campanha #SalveAIlhaDoMel.
“A região salvaguarda uma das últimas porções bem conservadas de Mata Atlântica em bom estado de conservação do mundo. Esse bioma está em extinção. Já foi reduzido para menos de 7% em relação à área original. Permitir a construção de mais um porto no litoral do Paraná é apoiar o desmonte social e ambiental de uma das regiões mais singulares do Brasil, desperdiçando o potencial único que acumula para a geração de emprego e renda muito mais vantajosa e inteligente que o turismo pode oferecer”, completa.
O litoral do Estado, vale lembrar, tem a segunda menor costa do Brasil, ficando atrás apenas do Piauí. Mesmo assim, já conta com dois portos – de Antonina e Paranaguá – que, se melhor geridos, poderiam atender com tranquilidade e eficiência o potencial de crescimento logístico e portuário do Estado.
Estudos da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de empresas ligadas ao setor indicam que o porto de Paranaguá, por exemplo, opera com cerca de metade da capacidade. Mais um fato que inviabiliza por completo a defesa de construção de mais um porto no litoral do Estado.
Relembre a polêmica
Um complexo industrial, que inclui um porto que pode ser feito a menos de três quilômetros da Ilha do Mel – que é uma Estação Ecológica e um Patrimônio da Humanidade reconhecido pela UNESCO – pode condenar irreversivelmente os patrimônios natural e cultural do litoral do Paraná.
Além de desmatamentos expressivos de uma das últimas porções de Mata Atlântica bem preservada do Brasil e do mundo, comunidades tradicionais e indígenas que vivem no local seriam expulsas dos locais onde vivem há séculos. Mazelas sociais econômicas que regiões portuárias costumam impor à sociedade também ariam a predominar na região.
Só para viabilizar a construção de uma estrada prevista pela Faixa de Infraestrutura, mais de 5 milhões de m2 de floresta viriam ao chão, todavia, estudos indicam que a porção de vegetação que seria direta ou indiretamente afetada pelas obras chegaria à ordem de 27 milhões de m2.
Essa rodovia, apesar de ser de pista simples e ter a finalidade de atender ao aumento do fluxo de caminhões que transitariam rumo ao porto, vem sendo vendida à população como solução para os engarrafamentos na PR-412. Ocorre que estudos também indicam que cerca de 200 mil caminhões, ou mais de 500 por dia, ariam a transitar na nova estrada, afogando ainda mais as rodovias adjacentes e não resolvendo as queixas da população para os congestionamentos que hoje afetam os moradores e turistas que transitam pela região.
Além disso, a proposta de construção do porto é cercada de incoerências, atropelos de processos legais, decisões sem a devida consulta e debate público e democrático e diversas tentativas opressoras de interessados em viabilizar a ideia, que beneficiaria apenas interessados em lucrar às custas da população.
Apesar de ser um investimento privado, somente a primeira fase das obras da Faixa de Infraestrutura custaria R$ 369 milhões aos cofres públicos. Outras obras, como uma linha de transmissão de energia elétrica, gasoduto, ramal ferroviário e canal de drenagem, seriam feitas na sequência; todas com a intenção de atender ao porto. Esse dinheiro, no entanto, poderia ser muito mais bem aplicado se investido em saúde, educação, segurança e estímulo ao turismo.
Milhares de e-mails já foram enviados pela sociedade ao poder público por meio do site da campanha #SalveAIlhaDoMel, numa clara demonstração de preocupação com o assunto, que precisa de mais debate com a opinião pública e soluções alternativas de desenvolvimento sendo analisadas.
Os movimentos #SalveAIlhadoMel e #TurismoSimPortoNão foram criados entre os anos de 2018 e 2019 por um coletivo de pessoas e instituições interessadas em esclarecer à sociedade e à opinião pública sobre os danos que a possibilidade de construção de um complexo industrial portuário privado, mas viabilizado com dinheiro público, geraria ao litoral do Paraná.
As páginas nas redes sociais que tratam dessa temática e buscam promover informações sobre o tema já acumulam quase 50 mil seguidores.
Eles são uma continuidade do movimento #ParePresteAtenção, que teve início, no final de 2017, com a intenção de levar à sociedade informação e sensibilização sobre os abusos envolvidos em um projeto de lei que tramitou na Assembleia Legislativa do Paraná, entre 2016 e 2018, e buscava reduzir em 70% a Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana. A APA é a maior unidade de conservação de uso sustentável do Sul do Brasil.
Depois de muita exposição do tema na imprensa e sensibilização das pessoas por meio de músicas, clipes e eventos públicos, o projeto de lei foi abandonado.
Ilustrações: divulgação OJC