
A operação atual da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a quinta maior do mundo, põe em xeque a sobrevivência de peixes, plantas e da população que vive nos arredores do rio Xingu. É o que revela um estudo publicado na revista Conservation Biology. A pesquisa envolveu indígenas e ribeirinhos habitantes da Volta Grande do Xingu, no Pará, e cientistas das universidades federais do Pará (UFPA), do Amazonas (UFAM), da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Entre 2021 e 2023, a equipe do Programa de Monitoramento Territorial Ambiental Independente (MATI-VGX) avaliou os impactos das duas barragens da hidrelétrica nos ciclos ecológicos da região. O estudo concentrou-se no monitoramento do nível da água e na duração das cheias em nove piracemas — canais naturais que conduzem a água do rio para áreas alagáveis em períodos específicos do ano, fundamentais para a reprodução, alimentação e abrigo de espécies aquáticas. Também foram observados sinais de degradação ambiental, como peixes doentes, contaminados ou com deformações, além de mudanças na pesca local, incluindo variações na produtividade e alterações nas técnicas utilizadas após a construção da usina.
O desvio da maior parte do volume de água do trecho de 130 km que forma a Volta Grande do Xingu para a construção das duas barragens criou períodos de seca extrema prolongada na região. Os dados mostram que o início da inundação nas piracemas na região tem sido retardado de um a quatro meses devido à redução da vazão imposta pela Usina de Belo Monte. Antes, o nível ideal de água na piracema da ilha conhecida como “Zé Maria” era atingido em dezembro; em 2023, com a hidrelétrica em pleno funcionamento, isso só ocorreu no início de abril.
Para o autor Josiel Juruna, impactos como esse já eram previstos, ao menos, em parte. “Nem os estudos que indicavam grandes danos previram o colapso atual, por adotarem metodologias inadequadas e ignorarem a complexidade do ciclo sazonal de alagamento e seus processos ecológicos”, acrescenta a coautora Camila Duarte.
A operação da usina também afeta a vegetação amazônica. Na região, o ciclo de alagamento é sincronizado com a frutificação de muitas espécies, permitindo que a água e os animais dispersem sementes. Com a redução das cheias e o atraso do pulso de inundação, os frutos no chão seco, sem serem consumidos ou dispersados pela água e por peixes. O descomo compromete a reprodução das plantas e a alimentação da fauna aquática.
Janice Muriel-Cunha, coautora do estudo, destaca que o modelo atual compromete também os modos de vida locais. A comparação entre dados de pesca de 2001 a 2008 (pré-barragem) e 2020 a 2023 mostra uma queda de 60% na produtividade: de 16 quilos para apenas 6 quilos capturados por pescador, por dia, em média. Além da redução, houve mudanças nos métodos de captura, nas embarcações utilizadas e nas espécies pescadas. A pesca de tucunaré, que representava 29% das capturas antes da usina, caiu para 5,5% no período mais recente. Em estudo anterior, o monitoramento demonstrou que o consumo de pescado foi reduzido em 58%, comprometendo a segurança alimentar dos povos que vivem em toda a área de influência do empreendimento.
Camila Ribas, coautora do texto, ressalta que as características únicas da região precisam ser levadas em conta na criação de planos de mitigação. A equipe defende a necessidade de um novo plano hidrológico que equilibre a geração de energia e a manutenção socioecológica. “Propomos uma partilha mais justa da água, com base em testes e monitoramento”, diz Camila Duarte. Segundo as pesquisadoras, a recuperação ainda é possível, mas depende de ações que devem ser incorporadas com urgência pela concessionária da usina.
*Texto publicado originalmente pela Agência Bori em 30/05/25
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Foto de abertura: divulgação Xingu Vivo/Amazônia Real