
Por unanimidade, hoje, 3/11, o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou e julgou procedente a ação movida em junho de 2020, por quatro partidos políticos – PT, Rede, PSoL e PSB -, que exigia a retomada do Fundo Amazônia – mecanismo que capta doações para projetos de preservação e fiscalização do bioma -, parado desde 2019 devido à extinção do modelo de governança pelo então ministro do meio ambiente, Ricardo Salles.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 59 denuncia que o governo Bolsonaro se omitiu, “de forma dolosa e inconstitucional”, ao deixar que R$ 3,2 bilhões – oriundos principalmente de doações da Noruega e da Alemanha – ficassem bloqueados, enquanto a Amazônia era destruída por incêndios e pelo desmatamento recorde.
Vale lembrar que a decisão acontece quatro dias após a eleição presidencial, quando – horas após a confirmação da vitória de Lula, a Noruega anunciou a volta do investimento ao Fundo Amazônia.
A partir de sua reativação o BNDES poderá aplicar recursos do fundo em projetos de combate ao desmatamento promovidos por ONGs (organizações da sociedade civil), Estados e municípios. E as benesses vão além: assim que Bolsonaro deixar a Presidência da República (em 1/1/2023), o Ibama também poderá pleitear novos recursos para retomar a fiscalização ambiental.
Decisão histórica
A ADO 59 – que teve Rosa Weber, atual presidente do STF, como relatora – integra o chamado ‘Pacote Verde’, um conjunto de sete ações relacionadas a temas ambientais, que foram pautadas para julgamento quando 50 mil pessoas realizavam o Ato pela Terra liderado por Caetano Veloso, em Brasília, em 9 de março deste ano, para protestar contra o desmonte socioambiental promovido pelo governo. O julgamento começou em 31 de março.
A decisão histórica tomada hoje vem na esteira de outra tomada pela Suprema Corte, em 30 de junho, que determinou que o governo parasse de sabotar o Fundo Clima — também paralisado por Bolsonaro.
Na ocasião, uma ação também impetrada pelos quatro partidos citados acima, na mesma data que a do Fundo Amazônia, foi julgada procedente por 10 votos a 1 (Kássio Nunes). Seu relator, o ministro Luiz Carlos Barroso reconheceu, em seu voto, que “a proteção do clima é um dever constitucional do Estado brasileiro”, o que criou jurisprudência para o voto de Rosa Weber.
“O Supremo Tribunal Federal dá mais um o rumo à efetiva proteção do meio ambiente e do clima, a partir do reforço a uma política pública positiva e efetiva na área. O voto da ministra, além de tecnicamente espetacular, ajuda a proteger o fundo de ‘aves de rapina institucionais’ que ainda se alimentam de negacionismo para a tomada de decisões”, destaca Nauê Pinheiro de Azevedo, assessor jurídico do OC, que fez sustentação da ação no plenário do STF.
A organização prestou assessoria técnica aos partidos na elaboração da ação e é, juntamente com o Instituto Alana e a Conectas Diretos Humanos, amicus curiae (amigo da Corte designa uma instituição que fornece subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo-lhes melhor base para questões relevantes e de grande impacto) no processo.
O maior fundo de proteção às florestas
O Fundo Amazônia foi criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização tocados por organizações da sociedade. Mais: era o principal programa de pagamento por redução de emissões por desmatamento (REDD+) do planeta.
Teve êxito total até fevereiro de 2019, quando Ricardo Salles decidiu atacar sua governança.
O fundo, gerido pelo BNDES, Teve êxito total até fevereiro de 2019, quando Ricardo Salles decidiu atacar sua governança e extinguiu os dois colegiados que istravam os recursos: o Comitê Orientador (Cofa) e o Comitê Técnico (CFTA). Com essa decisão, R$ 3,2 bilhões em recursos ficaram congelados no banco. Ele queria dar novo destino ao dinheiro.
“O Fundo Amazônia é o maior fundo de proteção às florestas já implementado. A perda decorrente de sua paralisação por quatro anos é irrecuperável, mas a sua reativação é mais do que que urgente para que possamos retomar a agenda de proteção da floresta, combate ao desmatamento e desenvolvimento sustentável”, disse Tasso Azevedo, coordenador técnico do OC e um dos principais arquitetos do fundo durante a gestão de Marina Silva, no governo Lula, em 2007.
“Quando lançamos o fundo, ele tinha alguns pilares. O primeiro era que o Cofa teria representatividade forte da sociedade civil, e assim foi feito. Outro dizia respeito aos critérios do que poderia ser feito com o recurso; e o outro, claro, era o único compromisso que tínhamos: reduzir o desmatamento“, conta Carlos Minc, ministro do meio ambiente quando o fundo foi lançado, em 2008.
“O governo Bolsonaro torpedeou todas as premissas do Fundo Amazônia: tentou adulterar sua composição, tentou adulterar suas metas ao propor usar o dinheiro para indenizar proprietários de terra, e aumentou o desmatamento”, lembra ele.
“É muito bom que a Justiça tenha determinado a recomposição dos comitês, mas esse é apenas um dos pilares. Não é suficiente, porque é preciso reduzir o desmatamento. Mas este governo está acabando, espero que o próximo retome os princípios originais”, finaliza o ambientalista, que é deputado estadual pelo Rio de Janeiro.
Foto: Adriano Gambarini