PUBLICIDADE

Tubarão-azul em perigo? Governo federal altera regras para pesca da espécie ameaçada de extinção e ambientalistas reagem

Tubarão-azul em perigo? Governo federal altera regras para pesca da espécie ameaçada de extinção e ambientalistas protestam. Assine a petição!

O Brasil é o maior consumidor de tubarão-azul do mundo. É bem possível que você já tenha comigo tubarão sem saber por que, no país, ele é vendido como “cação”, pra despistar. Até 17 de abril, sua pesca acontecia apenas de forma incidental (ou ilegal) e, para atender a demanda, o peixe era importado. Agora, de acordo com ambientalistas, a espécie está ainda mais vulnerável.

Isto porque os ministérios da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) am, nesse dia, a Portaria Interministerial MPA/MMA nº 30/2025, que estabelece novas medidas de ordenamento, monitoramento, controle e fiscalização para a pesca do tubarão-azul (Prionace glauca) em Mar Territorial (faixa de águas costeiras que alcança 12 milhas náuticas a partir do litoral do país), na Zona Econômica Exclusiva (ZEE – faixa marítima de largura igual a 200 milhas marítimas, medida a partir da linha de base utilizada para a determinação do mar territorial) e em Águas Internacionais

De acordo com os dois ministérios, a portaria foi definida a partir de discussões sobre a sustentabilidade do tubarão-azul no país no Comitê Permanente de Gestão da Pesca e do Uso Sustentável relacionado a Atuns e Afins (G Atuns e Afins*), com o objetivo de assegurar a continuidade das capturas de atuns e outras espécies semelhantes, agora também do tubarão-azul. O documento define medidas de ordenamento, monitoramento, controle e fiscalização para a pesca da espécie. 

No Sistema de Avaliação de Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve), do ICMBio, lá está a espécie Prionace glauca, que contempla o tubarão-azul, além do peixe focinhudo e mole-mole (veja dados abaixo, consultados em 30 de abril de 2025, na tabela abaixo).

PUBLICIDADE

A divulgação da portaria causou revolta entre ambientalistas porque diz que o tubarão-azul não está ameaçado. “Até agora, o “cação” vinha de fora, ou era pescado de forma incidental, mas isso mudou. E a nova portaria agora permite que barcos industriais capturem tubarões-azuis como alvo”

E a Sea Shepherd ainda destaca: “A medida foi definida sem ouvir a ciência, que já alertou que esses animais estão sendo pescados em áreas de berçário, com fêmeas grávidas e filhotes. Sem esperar a avaliação de risco de extinção, que ainda está sendo feita. E sem medir os riscos à nossa saúde, já que essa carne frequentemente tem níveis alarmantes de mercúrio e de outros metais tóxicos, como já comprovado pela Fiocruz”.

O que diz a Sea Shepherd

Logo que a portaria foi publicada, o Instituto Sea Shepherd Brasil declarou, em suas redes sociais: “Em pleno 2025, o governo federal publicou Portaria que permite a pesca do tubarão-azul (Prionace glauca) — espécie já considerada vulnerável no Atlântico Sul e presente na lista de espécies ameaçadas no Rio Grande do Sul”. 

“Esta medida transforma essas magníficas criaturas, de captura acidental em alvos deliberados. Os tubarões-azuis já estão ameaçados de extinção. Esta decisão pode levá-los ainda mais perto da extinção”, alerta. “O tubarão-azul é um predador de topo [de cadeia alimentar]. Ele ajuda a manter o equilíbrio do oceano. Sem ele, o colapso vem em cadeia”.

Foto: Mark Conlin / NMFS / domínio público

A organização redigiu NOTA TÉCNICA em 26/4, dirigida aos ministros do MMA e do MPA (sobre a qual falo mais adiante) para pedir a revogação “urgente e imediata” da referida portaria.

Também entrou com uma AÇÃO CIVIL PÚBLICA na Justiça – amparada por uma PETIÇÃO ONLINE –, a fim de exigir medidas mais rígidas de proteção, fiscalização e um plano nacional de conservação para a espécie e responsabilizar o governo pelos danos resultantes da portaria interministerial.

Para os dirigentes da Sea Shepherd, a medida está sendo “vendida” como “sustentável”, mas não tem base no conhecimento acadêmico nacional. E destaca alguns pontos:
– a portaria estabelece uma decisão precipitada e insuficiente antes de concluir o parecer obrigatório da CITES – Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção para assegurar a pesca sustentável do animal;
– permite que frotas da pesca industrial se direcionem para a pesca de tubarão e encham seus porões com o animal, também de áreas de berçário;
– ignora dados científicos brasileiros que comprovam a alta captura de juvenis e fêmeas grávidas;
– embasa a medida com informações incompletas da ICCAT ICCAT (International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas / Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico), órgão especialista em atum, não em tubarões e que considera apenas 60 embarcações brasileiras, deixando de fora centenas de barcos que pescam tubarões como fauna acompanhante”; e
– legitima o consumo de carne contaminada com metais pesados como mercúrio e arsênio (Fiocruz, 2024), vendida como “cação” para escolas, hospitais e outras instituições públicas (em março, o Ibama apreendeu mais de 1,2 toneladas de barbatanas de tubarão no Espírito Santo; veja o link no final deste post).

A organização ainda explica que a cota calculada para o atum é “apenas uma fração da pesca do tubarão-azul”. E que o “parecer científico sobre a sustentabilidade (NDF – Parecer de Extração Não Prejudicial) deste tipo de pesca” ainda não foi concluído.

Além disso, destaca que “a fiscalização depende da autodeclaração das empresas – e sabe-se que esta possui margem para descrição errada de espécies”. 

Em pesquisa nacional realizada em 2023, a Sea Shepherd lembra que 68% dos brasileiros disseram NÃO à pesca de tubarões. 

Até 25/4, a petição online já tinha quase 5 mil s. “Essa é a voz do Brasil pedindo por proteção, não por extinção!”, celebra. “Esta não é uma política de conservação. É uma certidão para a extinção”.

O apoio do jornalista que mergulha com tubarões 

Durante sua agem pela TV Globo, o repórter Francisco José Brito teve o privilégio de mergulhar com diferentes espécies de tubarões e gostou. Descobriu o quanto tais encontros são transformadores e se tornou fã da prática e da espécie.

Jornalista que ficou conhecido por mergulhar com tubarões apoia campanha da Sea Shepherd
Fotos: reproduções de vídeo

“Mergulhei com tubarões em todos os mares fazendo reportagens para a televisão: na Barreira de Corais da Austrália, Mar Vermelho, Indonésia, Micronésia, África do Sul, Galápagos, Bahamas e toda a costa brasileira”, conta o jornalista que, quando soube da portaria interministerial, reagiu indignado.

“E, por incrível que pareça, agora, vai ser permitido, em larga escala, matar o tubarão-azul em águas brasileiras. Uma portaria assinada por representantes do Ministério da Pesca e do Meio Ambiente está autorizando a matança do tubarão-azul, para retirada, principalmente, das barbatanas”. 

Ele finaliza sua declaração nas redes sociais, convidando todos a reagirem: “E nós não podemos aceitar que isso aconteça no Brasil. Temos que fazer um apelo à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e ao ministro da Pesca, meu conterrâneo André de Paula, para que cancelem essa portaria. Nós não podemos permitir que, no Brasil, cacem o tubarão-azul, ameaçado de extinção, que é um dos mais belos exemplares da fauna marinha” (assista no final deste post).

Nota técnica da Sea Shepherd aos ministros

Assinada por Juan Pablo Torres-Florez, coordenador técnico científico da Sea Shepherd Brasil, Fernanda Perregil, coordenadora de Advocacy (OAB/SP 236.036) e Nathalie Gil, presidente da organização, a nota técnica dirigida aos ministros do MMA e do MPA foi publicada em 26 de abril de 2025.

O texto foi redigido em nome de um “movimento da sociedade civil organizada, ora representado pelo Instituto Sea Shepherd Brasil e organizações parceiras representativas da sociedade civil e da academia, cujas missões envolvem a proteção da vida animal e a proteção do oceano”.

“Com efeito, a referida portaria ignora princípios básicos de precaução e prevenção da degradação do meio ambiente, incluindo o ecossistema marinho, desconsiderando e negligenciando a análise de diretrizes e perspectivas que DEVERIAM ser realizadas por meio de uma Declaração de Não Prejuízo, NDF, obrigatória em âmbito internacional e nacional, aqui suscitada por analogia, nos termos da Instrução Normativa do IBAMA nº 28, de 11/12/2024”, salienta a nota, no início.

E ainda destaca que a medida “promove sérios retrocessos na conservação dos elasmobrânquios, visto que esse grupo de espécies já é o segundo maior grupo de vertebrados em risco de extinção no Brasil e no mundo”.

O texto repudia:
– A violação do Princípio da Precaução e Ausência de Constatação de Não Prejuízo, NDF;
– Base científica fraca e uso inadequado dos dados do ICCAT;
– Falhas na garantia da supervisão e lacunas regulatórias;
– Contaminação e riscos à saúde pública;
– Desalinhamento com a opinião pública; e
– A inconstitucionalidade e violação do artigo 225 da CF/88 da Portaria Interministerial nº 30/2025, que regulamenta a pesca do tubarão-azul (Prionace glauca).

Para amparar suas colocações, a Sea Shepherd ainda apresenta dados brasileiros sobre captura de tubarão-azul.

A nota técnica reivindica:
– Declaração da inconstitucionalidade e do descumprimento dos compromissos internacionais da Portaria MPA/MMA nº 30/2025, que se distancia dos preceitos constitucionais e dos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário;
– Revogação imediata da Portaria MPA/MMA nº 30/2025;
– Urgente conclusão científica e transparente do NDF para o tubarão-azul;
– O estabelecimento de um verdadeiro Plano Nacional de Conservação da Espécie, que inclua normas e recursos efetivos para monitoramento e fiscalização, proibição do uso de estilingues na pesca de espinhel de superfície e outros; e a
– Suspensão da pesca e da comercialização do tubarão-azul para a implementação de medidas reais de conservação da espécie.

E conclui: Regulamentar a pesca do tubarão-azul significa institucionalizar sua extinção. Esta espécie desempenha um papel ecológico essencial nos ecossistemas pelágicos e seu declínio compromete a saúde do oceano. O Brasil tem a chance de liderar por meio da conservação, e não da permissividade”.

O que diz o Ministério da Pesca

Na contramão do que denuncia a Sea Shepherd, o diretor do Departamento de Pesquisa e Estatística da Pesca e Aquicultura do MPA, Alex Souza Lira, diz que, agora, os ministérios definiram normas mais rigorosas e que “o objetivo da portaria é controlar a pesca do tubarão-azul, única espécie de tubarão que tem a atividade pesqueira permitida no país, pois não havia monitoramento, nem limite de captura”. E acrescenta: “A partir desse controle, podemos evitar a sobrepesca, que hoje é retirada além do limite biológico da espécie e suas eventuais consequências para os estoques”. 

Foto: Ministério da Pesca e Aquicultura / divulgação

O diretor também destaca que a criação de cotas visa garantir a sustentabilidade da espécie em longo prazo. “O valor da cota foi estabelecido considerando recomendações de órgãos internacionais, estudos técnico-científicos, levantamentos de disponibilidade da espécie, além dos valores registrados pelos mapas de bordo das embarcações pesqueiras”.  

De acordo com a portaria, o limite de captura total do tubarão-azul, em peso, é de 3.481 toneladas e, se for ultraado, haverá desconto de dois anos após o registro. Caso fique abaixo da cota, o excedente não será reado para os anos posteriores. “Ou seja, os valores declarados pelos pescadores repercutem nas próximas cotas”.  

De acordo com Lira, a portaria também estabelece outra medida importante para o monitoramento: os pescadores agora são obrigados a fazer a Declaração de Entrada em empresa pesqueira. “Esse é novo instrumento de controle obriga os pescadores a comercializarem o tubarão pescado apenas com empresas que tenham o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), emitido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, para garantir a conformidade sanitária”. 

Ao contrário do que diz a Sea Shepherd, Sandra Silvestre, diretora de Ordenamento da Pesca Industrial, Amadora e Esportiva do MPA garante que a regulamentação foi feita de forma participativa. Ela afirma que a portaria foi criada a partir de “discussões com a sociedade civil, pesquisadores e pescadores artesanais e industriais “por meio de gestão compartilhada entre os Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente”.

Como signatário da Convenção da ONU sobre Ordenamento de Populações de Peixes Transzonais e Altamente Migratórios – assinada em 1995 -, o Brasil segue o que determina a gestão da pesca de atuns e afins (segundo o ministério, inclui o tubarão-azul), que deve ser realizada por meio de cooperação internacional, destaca o Ministério da Pesca

ordenamento e o monitoramento, portanto, são realizados segundo recomendações estabelecidas no âmbito da Comissão Internacional para a Conservação dos Atuns do Atlântico (ICCAT), que reúne mais de 54 países e conta com comitê formado por pesquisadores e especialistas. 

De acordo com a Lei de Crimes Ambientais (nº 9605, de 12 de fevereiro de 1998), é proibido pescar qualquer animal marinho que figure na Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção. E o ministério afirma que “o tubarão-azul é a única espécie de tubarão que não está na lista e, portanto, tem a pesca liberada”. Mas parece que isso não é verdade como contamos no início deste texto: sua espécie integra a lista de animais ameaçados do sistema Salve, do ICMBio. 

Sandra Silvestre explica que os órgãos internacionais não orientam expressamente a proibição caso uma espécie esteja ameaçada de extinção, mas recomendam que a gestão pesqueira seja prioridade. “Por isso, a publicação da Portaria MPA/MMA nº 30 de 2025 é tão importante, ao trazer normas mais rigorosas de ordenamento, monitoramento e controle desta pescaria”. 

Adayse Bossolani da Guarda, coordenadora-geral de Gestão Participativa Costeiro-Marinha, por sua vez, ressalta que o tubarão é bastante consumido, principalmente no sul do Brasil, portanto, a portaria vem em boa hora. “É um peixe bastante apreciado porque, além de saboroso, não tem espinho, sendo recomendado até para a alimentação escolar. Sempre se comeu cação, ele é encontrado em qualquer mercado de peixe!”.

E nega a prática de finning, quando se extrai apenas a barbatana do animal e seu corpo é jogado de volta ao mar. “O finning é muito comum no restante do mundo, mas é proibido no Brasil desde 1998” [proibido, mas praticado com frequência como provam as apreensões do Ibama, todos os anos].

“Além do mais”, acrescenta ela, “aqui se consome toda a carne, ele é totalmente aproveitado em uma cadeia produtiva completa, que inclui o beneficiamento e o comércio”.

E Adayse ainda destaca a relevância cultural e econômica da pesca do tubarão-azul. “Essa é uma pesca muito importante, que gera emprego e renda para muita gente. Não dá para cortar isso da vida das pessoas. O que os Ministérios estão fazendo é organizar a atividade, para que ela possa ser feita de forma sustentável”.

A seguir, assista à declaração do jornalista Francisco José – que fez fama mergulhando com tubarões em diferentes partes do mundo – contra a portaria que facilita a pesca do tubarão-azul no Brasil: 

 
 
 
 
 
Ver essa foto no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação compartilhada por Sea Shepherd Brasil (@seashepherdbrasil)

*O G Atuns e Afins é um dos 10 comitês da Rede Pesca Brasil – Rede Nacional Colaborativa para a Gestão Sustentável dos Recursos Pesqueiros, criada por meio do Decreto nº 10.736, de 29 de junho de 2021, e coordenada pelo MPA. Seu objetivo é subsidiar a gestão para o uso sustentável dos recursos pesqueiros no país. O comitê é composto por representantes dos ministérios da Pesca e Aquicultura, do Meio Ambiente, do Trabalho e Emprego, de Ciência, Tecnologia e Inovação) e de Portos e Aeroportos; da Marinha; do Ibama; ICMBio; além de secretarias estaduais e organizações, fundações e sindicatos relacionados ao tema. 

_______

Acompanhe o Conexão Planeta também pelo WhatsApp. e este link, inscreva-se, ative o sininho e receba as novidades direto no celular

Leia também:
– Mais de 1,2 toneladas de barbatanas de tubarão são apreendidas no Espírito Santo
– Regulamentação da pesca do tubarão-azul oferece mais sustentabilidade para a espécie

Com informações da Sea Shepherd Brasil e do Ministério da Pesca

Foto: Mark Conlin / NMFS / domínio público

Comentários
guest

0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
s embutidos
Ver todos os comentários
Notícias Relacionadas
Sobre o autor